terça-feira, 13 de abril de 2010

Buraco Quente Município Já!

Santa Catarina vive uma onda de movimentos emancipacionistas que visam desmembrar várias localidades de suas sedes e transformá-los em Municípios "independentes" graças ao abrandamento das exigências por uma lei complementar estadual promulgada no ano passado. A lei diminuiu de cinqüenta para quinze por cento o número mínimo de eleitores que devem comparecer às urnas para aprovar (ou não), por maioria simples, o desmembramento. O que se tem visto desde então é um festival de proposições absurdas, que seriam cômicas se não fossem trágicas, para usar o velho clichê.

O primeiro município aprovado pelo voto popular foi Pescaria Brava, hoje pertencente a Laguna. Pescaria Brava só tem uma rua. A partir de 2005, será uma rua com prefeito.

O segundo foi o nosso Balneário Rincão, que será uma cidade fantasma. Afinal, a maioria dos imóveis do Balneário ficam desocupados durante todo o ano, pois são imóveis de veraneio. Vai parecer aquelas cidades fantasmas de filme americado de western... Mas com prefeito! Ah, e nove vereadores.

O pior é que, nos dois casos, a oposição ao desmembramento foi praticamente nula. No caso do Rincão a oposição resolveu sair da toca nas vésperas do plebiscito, com uma campanha feita de última hora e um slogan que parece ter sido tirado de uma música sertaneja: "Quem ama não separa" (aliás, quem foi o "marqueteiro" deles? O Homem Chavão???). E, mesmo assim, a diferença foi pequena, o que nos leva a crer que, se tivesse sido feita uma campanha melhor, com mais antecedência, a aprovação não sairia. Mas toda essa unanimidade nos preocupa porque, mesmo que todos os argumentos a favor das emancipações fossem irresistíveis e irrefutáveis, toda unanimidade é burra, como nos ensinou Nelson Rodrigues.

É muito sedutor o discurso da emancipação. Quanto menor, mais fácil de administrar, dizem. De fato, administrar uma aldeia é mais fácil que administrar São Paulo. Mas o sistema político em que vivemos exige que cada município possua uma máquina administrativa mínima. E, para criar e manter esta máquina, o município precisa ter um tamanho, uma população e uma arrecadação mínimos. Será que estes municípios, municípios de uma rua só ou fantasmas, têm estes requisitos? Será que é fácil administrar uma aldeia deficitária?

Além disso, há o problema da constitucionalidade da tal lei. Não entrarei em detalhes, mas tudo indica que a lei é inconstitucional. Se esta lei um dia for declarada inconstitucional, a sentença terá efeito ex tunc, ou seja, será retroativa. Todos os atos (no caso, as emancipações) feitos com base na lei inconstitucional serão declarados nulos. Imaginem o transtorno.

Além dos casos citados, existem ainda o do Rio Maina (a prefeitura de Criciúma já firmou posição contrária, o que me deixa mais tranqüilo), o de Estação Cocal e o do Norte da Ilha, que quer se separar de Florianópolis... Um absurdo! A continuar assim, como sugeriu o cartunista Sônego, do jornal Tribuna do Dia, até o Buraco Quente vai querer ser município. E quem nasce no Buraco Quente é o quê? Deixa para lá...

(Texto originalmente publicado em 22 de setembro de 2003)

Nenhum comentário:

Postar um comentário